sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sete ossos e uma maldição

O olhar frio e coruscante da bela boneca espanhola não é nada: o verdadeiro problema é quando ela começa a sorrir para você e, às luzes apagadas, movimentar-se pelo quarto... Objetos raros e estranhos, até mesmo feitos com relíquias humanas, como um sopro que se faz sentir ao pé da nuca, ou com mágicos sons de guizos
e vozes que zombam de sua razão ou coragem.
E você nada vê.
Há a mãe que vendia os filhos naquela triste realidade e no desejo de oferecer-lhes uma vida mais confortável... Rapazes que adentram o cemitério, matitas pereiras atravessando velozmente as ruas pela noite, frutos saborosos de uma velha figueira, casarões onde parece não morar mais ninguém, cômodos fechados e convidados invisíveis, o escuro no alto de uma escada... Mas há a boa sensação de calma — e um grande conforto, quando você se entrega de corpo e alma aos males irremediáveis. É mesmo doce a sorte. Ou à morte, sem qualquer mácula de sangue ou violência. Qualquer um tem chances preciosas para adivinhar e precipitar-se. São dez contos de desencontros. E porque a pista certa denuncia o erro, o que reluz é dor e só mesmo a ignorância poderia livrar-nos de todo o mal  Assim, o terrível jamais será servido cruamente, elaborando-se com o que existe de mais trivial e, no momento exato, uma descrição retarda os movimentos e
o susto do leitor. Aliás, não são histórias que assustam; ao contrário, alguns fragmentos são puro encantamento Sente-se, aquiete-se. A visão aguçada pelos detalhes vai se preenchendo de expectativa que não logra em demorar-se — e arremessar você diante de um sentimento vazio e de algumas incógnitas.  Como não pertence ao estilo fantástico o dom de explicar todos os acontecimentos e conseqüências, evitando assim esclarecer demais o que vinha antes e o que depois seguirá, os personagens ficam pênseis em nossa imaginação. Ou, quando partem dessa para melhor, abandonam o leitor
em meio a um texto que — você tem certeza, se algo afim você nunca ouviu, poderia realmente viver. 
Nisso está o segredo do medo. Tem histórias que parecem não acabar e alguns casos, se não passou na televisão, poderia ser desenrolado assim que você abrisse uma porta em que
um pulso desesperado estranhamente preferiu a madeira a bater à campainha. E arma-se das verdades populares, das lendas urbanas, dos clichês que os outros já conhecem, para dar um passo além. 
Ou para o além.
O destemor deveria trazer a você uma diversão, mas...
Vê agora um corpo debruçado sobre o tapete, seria seu? 

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